Wednesday, April 29, 2009

Sobre loucos e respostas injustas

Ninguém entra numa via de trânsito rápido pra andar devagar. No eixão é assim: você entra e acelera. Todo mundo anda quase na mesma velocidade, exceto alguns apressadinhos que saem a ultrapassar e cortar os demais carros, como numa corrida de loucos.
Eu estava tranquilo, andando no limite, assim como os que estavam ao meu redor. Sinto uma boa sensação quando vejo os carros rodando harmoniosamente, as rodas girando ao contrário-até o carro mais feio e velho pareceria bonito rodando suave numa pista lisinha e bem sinalizada aquela-quando pelo flanco esquerdo chega subitamente um vulto branco.
"Sai da minha frente que eu quero passar"- a música tocando lá na sala coincidentemente traduziu em palavras a atitude nada amistosa do senhor que sobre mim avançava. No susto, freei. Meu carro faz um som legal quando freia. Parece uma turbina desacelerando. Foi meu prêmio-consolação diante de tamanho desaforo. E quando pensei em esboçar um farol alto, já estava o Speed Racer do cerrado a muitos metros de mim, cortando outras tantas vítimas de sua pressa. Merecia aquele fanfarrão uma bela buzinada, pensei. Minha buzina, porém, ficou caladinha. Por um instante julguei-me um maricas, desses que levam o desaforo sem reclamar nem espernear.
Tendo o fatídico episódeo se desenrolado pela manhã, com o passar do dia esqueci-me de tudo aquilo. Há dias, no entanto, em que apenas uma situação de estresse não parece ser suficiente. Hoje foi um desses. Sendo, pois, já noite, eis que me atrevo pela terceira vez a sair de casa. E não importa pra onde eu vá, tenho sempre de passar por uma rotatória. Em tese, quem está no balão tem a preferência. Bem, não era assim que pensava o motorista que cruzou meu caminho. Outra freada apocalíptica. Dessa vez não deixaria barato. Na hora lembrei o que se passara de manhã, e aquele outro espertinho teve o troco: um bom e ofuscante farol alto.
Já rodando em ruas retas e prestando atenção em tudo, estranhava eu a escuridão incomum. Uma olhada rápida no painel... Tava sem farol. Que vexame. Talvez quem me cortou na rotatória não tivesse me visto... E fiquei a pensar sobre isso. No fim, talvez seja melhor sofrer um pequeno desaforo do que responder de forma violenta quando não se tem certeza. É em dias assim que a minha ignorância se mostra, e eu, vendo-a tão manifesta, tenho uma visão mais clara pra tentar diminuí-la antes de fechar os olhos.

Thursday, April 02, 2009

O bilhete e a mancha

Existem dias em que até quando alguém tenta me passar raiva, acaba me fazendo é bem. Sei que é difícil de acreditar, e eu também não acreditaria, não fosse o que aconteceu hoje.
Sucedeu que, depois de muito me exercitar na academia, dirigi-me ao supermercado a fim de comprar uns iogurtes e cumprir mais um passo da dieta diária. Parei meu humilde possante no estacionamento sem me preocupar muito, e quando fui pegar a carteira e sair do carro, o tato disparou o alarme de merda: o cantil de malto ficara aberto e molhara o banco do passageiro... Tava rosa o assento.
Sem mais me demorar, logo tramei comprar uns guardanapos pra resolver a parada. Guardanapos que não comprei, pois enquanto pegava os iogurtes, lembrei-me de também comprar uma lasanha, e esqueci-me completamente daqueles pequenos e salvadores pedacinhos de papel.
Lá ia eu, tranquilo, de volta pro possante, quando vejo uma senhora de semblante não muito simpático ajustando uma folha no meu pára-brisa. Ela me viu, entrou no carro e começou uma delicadíssima operação pra tirar seu pequeno automóvel da vaga ao lado. Qual era o bilhete? "Ver se aprende a estacionar direito e para de prender os outros". Sim, foi exatamente isso, escrito com pincel atômico vermelho e em caligrafia perfeitamente legível...
Veio então uma avalanche de perguntas que supitavam no calor da raiva que senti diante de tão famigerada provocação. Primeira: "quem essa mulher pensa que é?!"-Não sei. Segunda: "será que parei errado?"-Ehr... em cima da linha. Tecnicamente correto, digamos ("quem essa mulher pensa que é?!?!"). Terceira: "será que ela encostou no meu carro?"- e desci lá pra ver. Para a sorte de ambos, lá estava o possante, ileso em sua integridade e pintura.
Tirei aquele lindo recado, joguei-a perto dos iogurtes. Retornando à base, veio a incômoda lembrança do banco molhado e cheirando a morango. Prevendo a nada agradável reação de meus progenitores diante do fato e no afã de eximir-me da culpa, tirei logo a camiseta e tentei secar o suco com a camiseta enquanto dirigia. E não é que tava funcionando?
Camisetas são boas em tirar manchas, mas o que havia ali não era um simpels derramamento acidental. O líquido rosa já se havia bandeado pra dentro da dobra do banco, sendo que o tecido da minha singela vestimenta não mais podia alcançá-lo. Precisava de algo mais fino... Algo como um papel em que estivesse escrito um desaforopra mim!
E sim, aquele recadinho veio bem a calhar. Não houve mancha que a ele resistisse. O melhor de tudo é que a folha também se rasgou toda, molhada que estava. Resultado final: uma camiseta suja, um banco limpo, uma folha A4 aos pedaços e artificialmente tingida de rosa e um sentimento de raiva transformado em vitória. Não podia ter sido melhor...