Sunday, July 12, 2009

Nada sob os pés

Existem esperiências pelas quais a gente nunca passaria se algo não desse errado. Foi o que aconteceu hoje.
Meu chinelo de dedo arrebentou-se enquanto eu corria pra atravessar uma rua. É uma mania que eu guardo de recordação da minha infância. Peguei o par, resmunguei um "dane-se" e continuei sem eles. Assim, tive a oportunidade de andar algumas quadras descalço essa noite, experência tão simples quanto assustadora, considerando-se os padrões de higiene que me foram ensinados.
Parece óbvio, mas é sempre bom deixar explícito: andar descalço na rua é diferente de andar descalço em casa. Tão estranho quanto os olhares que recebi das pessoas foi a sensação de tocar o solo, sentir em detalhes a textura do asfalto, da calçada, da terra e da grama. Quanto a meus pés, a princípio apressados, logo trataram de andar num ritmo regulado, porém analítico.
Pude então sentir o que sentem os miseráveis, aqueles que mal podem cobrir seu corpo e não têm o luxo de ter qualquer proteção sob seus pés. Cada passo pra eles é mais um passo rumo à incerteza. Não sabem se irão se machucar, tampouco podem se garantir que é certo o caminhar em direção ao seu destino. Ao andar descalço na rua, aprendi a escolher melhor os meus passos e a atentar para meus sentidos.
Quando cheguei em casa, tão limpo estava o piso, e tãos sujos os meu pés, que cada passo virava uma pegada. Lavados os pés e limpa a casa, não pude fechar os olhos enquanto não organizasse as ideias sobre esse episódeo e aqui o eternizasse, para me lembrar sempre das lições que jamais aprenderia se tivesse um chinelo mais resistente.

Wednesday, July 01, 2009

Balões de vida


Era uma manhã serena de sábado e eu e meu pai resolvemos aproveitar o sol ainda fraco pra correr um pouco. O céu azul era um convite ao passeio.
A princípio caminhando, seguíamos até o parque, quando por nós passou uma senhora em sua cadeira de rodas, também dando uma volta com sua cuidadora pra aproveitar o tempo bom. Instantes depois, passa por nós outra babá, empurrando um carrinho com um bebê a bordo. "Olha que coisa interessante", disse meu pai. E fiquei a pensar sobre aquilo durante a corrida.
Lá estávamos nós, cheios de fôlego e vigor, independentes e fortes. Um dia fomos tão desprotegidos e indefesos como o bebê, e é provável que num futuro ainda distante nos tornemos frágeis e dependentes como aquela senhora.
A vida é mesmo como um voo, mas seria ingenuidade compará-la a um avião. Ora, aviões decolam, voam e pousam autonomamente, e nós não. Não nascemos com asas ou motores - não externamente, pelo menos. Precisamos de algo que nos lance no ar e de sorte suficiente pra conseguir um bom tempo, uma vista agradável e um voo prolongado.
Quanto ao pouso? Bem, nada de rodinhas, amortecedores ou freios. Quando o declínio se anuncia, carecemos também de alguma assistência. O desgaste do tempo nos rouba um pouco da destreza e do traquejo que adquirimos enquanto voávamos.

No fim, talvez a gente seja mesmo como balões de água. Veja, eles também não têm asas nem motores, e precisam ser lançados ao ar para que voem. Também vêm em muitas cores e podem trazer diversas emoções consigo, a depender de quem os recebe. Além disso, todo balão de água um dia estoura. Podemos pegá-los com cuidado e dar-lhes alguns intantes a mais de decência e dignidade, mas no fim, tudo vira água.