Wednesday, July 22, 2015

Meias Brancas

Houve um tempo em que eu pensava que meias brancas eram o santo graal dos trajes masculinos. Simplesmente não havia peça indispensável como aquelas maravilhosas coberturas alvas e felpudas para nossos pés.Não importava a cor da calça, tampouco a cor do tênis, - nem vou falar calçado, porque não faz muito tempo que a definição desse termo foi atualizada em minha vida, abrangendo também sapatos sociais - meia branca era o must.
É fácil explicar tamanha fissura por uma peça da indumentária. Basicamente todas as referências infantis usavam meias brancas. A Turma da Mônica usava; os pagodeiros usavam; Michael Jackson usava; o time de futebol do Brasil usava e ainda usa, e os metaleiros também deviam usar, apesar de não ser possível a constatação fática.
Foi só depois de muito crescido que me dei conta de que meias de outras cores não são bregas, nem cafonas. Usar uma meia da cor da da calça ou do calcado na verdade significa não só uma complacência indolor às regrada básicas de vestuário,como também uma ode à diversidade. Finalmente entendi que nem todas as meias do mundo precisam ser brancas.
Isso significa que elas perderam seu lugar de respeito? É claro que não. Meias brancas ainda predominam por aí, são fáceis de achar e vão nos socorrer na hora do aperto e da escassez, como boas médicas que são na lida diária com calçados fechados - agora abrangendo os sociais. Elas apenas ganharam mais companheiras pra dividir um trabalho para o qual, embora servindo, nem sempre são o par ideal.

Wednesday, July 15, 2015

Dar e Receber

"Mais bem aventurado é dar do que receber". Só essa frase do Senhor Jesus já dispensaria toda a história contada abaixo, mas é bom ter um exemplo na vida.
Ano de 2010, Dia dos Namorados. Eu era um namorado atento e apaixonado, e sabia exatamente o que seria o presente da menina. Fui ao shopping já sabendo o que e onde comprar. Preparei uma cartinha, umas flores e uma embalagem. Dei.
Era uma jaquetinha jeans, dessas que acabam antes da cintura e servem mais ao estilo do que ao conforto térmico. Pude ver seus olhos se iluminando e seu rosto se abrindo em um sorriso bonito. Ela gostou! "Missão cumprida, rapazes! Belo trabalho", dizia o cérebro ao restante do corpo em meio aos muitos beijos e abraços daquele tempo.
Não é ótimo quando você ganha alguma coisa que queria muito? Pois tenha certeza de que quem te deu achou muito melhor. É mais legal dar o presente do que receber um. Falo, contudo, daquela enorme satisfação que se sente quando se dá um presente certo, aquele arrancador de sorrisos. 
Quando damos um presente bom, e por bom não digo necessariamente caro, significa que fomos bem sucedidos no exercício constante de memória e atenção existente em qualquer relação importante para nós. Há quem dê presentes caríssimos sem nada dentro, como que querendo comprar a afeição de uma pessoa.
Agora, timing é uma coisa importante. Certa feita tive aulas com um professor que dizia não dar presente em datas comemorativas. "Acho vazio de sentido, prefiro presentear quando tenho vontade. Aí é aquela comoção...", dizia ele arregalando os olhos e abrindo os braços.
E aqui já entramos num nível mais profundo da arte de mimosear: fator surpresa. Muito mais avançado em termos de memória, não é essencial, mas vale a investida. Quer seja uma paçoca, quer seja um chaveiro ou qualquer outra coisa, um regalo assim no contrapé pode dizer de forma muito eloquente que alguém é lembrado de forma especial.
Se uma mixaria ou não, se programado ou de supetão, é claro que vamos errar na lembrança também. Mesmo usando todo o recurso mental disponível e recordando coisas importantes, nem sempre somos felizes na hora de oferecer alguma coisa. E tudo bem. Bem aventurados são os que tem tempo pra tentar de novo, quem sabe com melhor sorte da próxima vez.
Quem me vê escrevendo sobre isso deve pensar que eu sou o maior presenteador destes trópicos. Longe de ser alguém tão pródigo, eis aqui apenas uma lembrança de que pequenos e bem colocados carinhos cotidianos podem ser muito valiosos quando a intenção é demonstrar que alguém é importante. Sem o elemento humano, o presente caro perde a graça; com ele, o preço não importa, apenas o valor.

Wednesday, July 08, 2015

Fartura e Angústia



Mais jogos do que posso jogar;
mais comida do que posso comer;
mais bebida do que posso beber;
mais roupas do que posso vestir;
mais mulheres do que posso amar;
mais lugares do que posso visitar;
mais sons do que posso ouvir;
mais livros do que consigo ler;
mais instrumentos do que consigo tocar;
mais melodias do que consigo inventar;
mais amigos do que posso acompanhar;
mais linhas do que consigo escrever;
mais paisagens do que consigo contemplar;
mais flores do que eu consigo cheirar;
mais sorrisos do que consigo sorrir;
mais lágrimas do que consigo chorar;
mais dores do que consigo suportar;
mais alívio do que consigo sentir;
mais ar do que consigo respirar;
mais cores do que consigo ver;
mais coisas do que posso comprar;
mais ideias do que consigo pensar;
mais botões do que consigo apertar;
mais problemas do que consigo resolver;
mais sono do que posso dormir;
mais energia do que posso usar;
mais dinheiro do que consigo gastar;
mais amor do que posso retribuir;

mais vida do que posso viver

Vivemos dias de inundação, de informação, de poder, de tudo. Todos são oprimidos - alguns por pedras, outros por almofadas, não importa: existe uma pressão a todos imposta para realizar algo.
A geração dos meus pais foi mais poderosa tecnicamente do que a geração dos meus avós; a minha é mais poderosa do que a dos meus pais, e a das minhas priminhas gordinhas será mais poderosa do que a minha.
A tecnologia de nossos tempos escancara as limitações do poder de escolha do ser humano. Tem tanta possibilidade pra tudo que só o fato de escolher já é um processo caro e estressante. Quer uma calça jeans? Mil modelos, em mil cores, em mil lojas. Carro novo? Mar de opções. Jogar na loteria? Boa sorte.
Existe jeito para tudo - até para a morte, em certa medida. Mesmo diante de um diagnóstico desalentador, é possível escolher mais de um tratamento e, em chegando o "único mal irremediável",  escolher entre um enterro ou uma cremação, a depender da vontade do falecido - mas que fale antes também, porque se se decidir depois, não vai adiantar.
Uma das maiores facas de dois gumes da realidade pós-moderna talvez seja o grande poder de troca em nossas mãos. Não digo a troca por defeito, mas a troca por gosto. Enjoou? Troca. Desgostou? Troca. Encheu o saco? Troca. Viu um mais bonito? Adivinha...
A ideia de troca fácil entre muitas opções passa a sensação de que, mesmo tendo dificuldade pra escolher uma alternativa de muitas possíveis, sempre poderemos conseguir coisa melhor. É uma ilusão perigosa, porque pode descambar para o pensamento escravizante de que nunca se terá algo que seja bom o bastante. Assim superestimamos nossa demanda, fazemos escolhas sem convicção e ficamos mais infelizes. 
E teria algum remédio pra esse infortúnio? Tem vários! Mais do que nunca, porém, a organização mental parece ser um recurso valioso demais para ser ignorado. Pensamento claro, valores definidos e objetivos estabelecidos. Não vai livrar ninguém do sufoco de fazer escolhas, mas vai ajudar a fazê-las mais facilmente.
Que maravilha angustiante é viver num mundo de possibilidades. E que paradoxo inescapável é se dar conta de que, enquanto para alguns afortunados existe a escolha sufocante, para outros tantos existe o nada implacável. Consertar esse quadro injusto é também uma questão de escolha, mas grande parte de nós prefere viver na angústia.