Monday, August 17, 2015

E se as pessoas fossem carros



A pergunta pode parecer batida (sem trocadilho), principalmente depois dos filmes da Pixar sobre o assunto, mas é que sempre considerei as pessoas em termos automotivos. A referência poderia vir também de uma certa série de filmes de carros que se transformam em robôs e vice-versa, ou da minha coleção de carrinhos de metal, mas não importa. Alheio a qualquer papo sobre objetificação do indivíduo, quando conheço alguém , fico imaginando que espaço a pessoa vai ocupar na minha garagem.
Vejo o olhar e começo a pensar em como seriam os faróis. Seriam mais redondos ou afilados? Analiso a estrutura corporal e começo a traçar as linhas da carroceria, com vincos, curvas e superfícies. Tento decifrar o que cada membro me diz e construir um desenho das rodas. Elegância ou robustez? Velocidade ou resistência?
Ao mesmo tempo, escuto as palavras que ela diz, o vocabulário que ela emprega e tento decifrar sua forma de pensar. Esses fragmentos de personalidade me serão úteis na construção mental da transmissão - se vai ser manual ou automática -, no escalonamento e na suavidade (ou aspereza) do câmbio.
Vou juntando mais peças e finalmente consigo chegar ao coração, digo, ao motor. Saber ideais e convicções de alguém me dá a noção do tamanho e da arquitetura do bloco, além de algumas pistas quanto ao regime ideal de rotação e à potência máxima a ele inerentes. Consumo também é uma informação importante, principalmente quando consideramos que o ser humano pode usar quase qualquer coisa como combustível.
Às vezes, quando começo a compreender alguém realmente, tenho de desmanchar o desenho da carroceria para acomodar seus componentes internos. Pode ser que a estrutura tenha de comportar mais peças, até então desconhecidas. Conhecer gente tem um quê de desenho automotivo: na primeira impressão a gente vê o conceito, mas a versão de produção, que vai estar conosco no dia-a-dia, pode variar bastante da ideia inicial.
Sempre dá vontade de namorar as esportivas. Design arrojado, beleza rara, potência superior e muita emoção na condução. A ressalva fica por conta do controle de estabilidade, que elas em geral não têm. Mesmo os homens se esforçam para se tornar bólidos. E com um desenho reluzente, se mostrando por aí, muitas vezes perdem para um milão, que apenas faz o que dele é esperado de forma competente e sem sustos.
Independente de qual seja a configuração de cada carango-pessoa, tem espaço para todo mundo nesta longa estrada da vida. Não raramente tenho dificuldades em compreender os mapas daqueles que passam por mim, mas vivo na tentativa de entender que cada um tem seu caminho, com seus buracos e tapetes para percorrer.
Certo dia compartilhei esse pensamento com um amigo Defender, que gostou muito da ideia. Ficamos a imaginar várias pessoas se transformando, desde a cor da lataria ao estilo do acabamento. Perguntei-lhe então que carro eu seria; ele me deu uma olhada e respondeu: "você seria um Mustang antigo". Não seria de todo ruim ter quatro rodas afinal...