Tuesday, April 19, 2016

Ir e vir ameaçado



Blog é uma coisa maneira, né? E não digo maneiro apenas no sentido de legal, mas também no sentido de gastar pouca banda pra ser acessado. Essa não deveria ser uma preocupação para qualquer pessoa no Brasil, mas depois do anúncio da Vivo de limitar a internet fixa nos moldes da móvel, parece que teremos de prestar atenção nisso enquanto fazemos o máximo para essa que medida arbitrária não entre em vigor.
Vamos começar pelo absurdo que é a simples ideia de limitar uma conexão residencial à internet. Basta olhar a Constituição Federal, que diz que a casa é asilo inviolável do indivíduo. Como isso se aplica a uma conexão de banda larga?
Bem, graças à internet, hoje não precisamos sair de casa para tudo. Na verdade, podemos resolver muita coisa com um computador, como pagar contas, fazer compras, pedir comida, imprimir documentos e fazer faculdade. Parcela expressiva da população mundial faz cursos on-line de outros países; há graduações inteiras baseadas em cabos de fibra ótica. Difícil pensar em alguma área da vida que não receba ou que não tenha recebido uma mãozinha da rede mundial de computadores. Céus, as pessoas até transam on-line hoje em dia!
Os sítios e caminhos virtuais tornaram-se uma extensão do espaço físico. Barrar a conexão com base em um limite de dados seria o mesmo que trazer um caminhão cheio de areia à casa de um indivíduo qualquer e soterrar suas portas e janelas dizendo: desculpe, cara, você atingiu sua cota de movimentação nesse mês, então vai ficar aí. Se quiser remover o bloqueio, contrate um pacote adicional. Do contrário, a gente limpa tudo no mês que vem... Se você pagar direitinho, claro. Ou seja, a limitação da conexão à internet baseada numa franquia de dados afronta o direito de ir e vir das pessoas baseando-se num num critério injustificável, isso para não mencionarmos as violações à liberdade de expressão e ao equilíbrio econômico das partes.
Com tanta coisa pra fazer on-line, nós brasileiros poderíamos esperar um serviço fluido e sem engasgos, né? É, mas não é assim a qualidade do serviço de internet. Na verdade, deixa bastante a desejar, assim como nossas estradas físicas. Os planos não são baratos e, dependendo do lugar onde o contratante se encontra, não tem sequer opção de operadora. Fica difícil aceitar uma limitação de franquia quando não se tem nem um bom serviço.
Outra coincidência notável é o fato de todas as operadoras de internet possuírem também o serviço de TV por assinatura. Ora, graças a uns certos serviços de streaming e a um certo serviço de troca de mensagens aí, elas amargaram um encolhimento expressivo no número de assinaturas e na receita vinda de mensagens SMS e de ligações interurbanas. Sob esse prisma, elas tem boas razões para querer sobretaxar a internet. Só não tem moral para fazê-lo.
Existe ainda um segmento da indústria que também não parece insatisfeito com a limitação da internet. As grandes empresas distribuidoras de conteúdo podem até ter licenciado parte de seu conteúdo para o streaming, mas enquanto não fizerem uma oposição expressa à ideia de limitação da rede no Brasil, parece mais que elas imaginam que tal medida será capaz de ajudá-las a combater um de seus maiores vilões: a pirataria. O curioso é que, graças aos bons serviços de streaming de hoje, os mesmos que em tese tiraram assinantes da TV a cabo, muita gente já não baixa mais conteúdo ilegal. Ou seja, quanto mais livre for a internet e quanto mais estruturados forem os serviços de streaming, menos razões o povo vai ter pra piratear.
Por tudo que foi exposto, não consigo pensar em outro adjetivo que não seja a palavra abusivo. É imoral, ilegal e inconstitucional limitar a conexão de internet fixa com base em uma franquia minúscula de dados. Trata-se de uma atitude retrógrada, uma vez que, à medida que a tecnologia avança, consome mais dados e mais banda para funcionar adequadamente. , por fim, um último i nessa história: inaceitável. Não queremos internet de graça - queremos um serviço bom, justo e livre. A ideia de limite, da forma como está posta, não preenche nenhum desses requisitos.