Monday, February 02, 2015

Pródiga Tragédia





Eis que Deus é grande, e nós não o compreendemos, e o número dos seus anos não se pode esquadrinhar.
Porque faz miúdas as gotas das águas que, do seu vapor, derramam a chuva,
A qual as nuvens destilam e gotejam sobre o homem abundantemente.
Porventura pode alguém entender as extensões das nuvens, e os estalos da sua tenda?
Eis que estende sobre elas a sua luz, e encobre as profundezas do mar.
Porque por estas coisas julga os povos e lhes dá mantimento em abundância.
Jó 36:26-31


Então chegamos a este ponto: o maior e mais rico país da América Latina está, com toda a ironia que a situação oferece, mergulhado numa crise de falta d'água. É curioso demais para não se manifestar. 
Se tinha alguma área em que eu imaginava que jamais passaríamos aperto, era a água. Estamos literalmente sentados em uma bolsa monstruosa desse líquido e temos a maior floresta tropical do planeta. E mesmo com tantos trunfos dentro de casa, muitos de nós já sentem a escassez e a secura no cotidiano. 
A situação parece ficar ainda mais cínica quando se percebe que o estado mais afetado pela seca da nação é, historicamente, o mais escarnecedor daqueles que sempre tiveram pouca água. Dia após dia, os reservatórios de São Paulo minguam, como que anunciando novos e mais difíceis tempos.
A questão da água no Brasil me parece estar mais relacionada à prodigalidade do que a qualquer outra coisa. Nunca fizemos muita questão de economizar um bem tão abundante e presente, apesar de sabermos de sua importância. Nossas calçadas sempre foram muito bem limpas com água potável, nossos vazamentos estão ali há anos, e é claro que precisamos tomar banhos de meia hora, isso faz parte da nossa cultura. O que não parece fazer parte dela é o planejamento.
Se o dinheiro não aceita desaforo, o que nos fez pensar que a água, muito mais valiosa, aceitaria? Se a gente trata assim um recurso sem o qual morreria em poucos dias, me apavora pensar em como tratamos os demais. Dizer que falta água no Brasil é como dizer que um ganhador de loteria hoje passa fome, algo absurdo, mas que a realidade mostra que existe. O fato é que, para quem não sabe como utilizar alguma coisa, nem toda a criação bastará.
E eficiência agora é o nome do jogo, as regras mudaram. Até que a situação se estabilize, serão necessários alguns anos, muito suor e muitas lágrimas. Esperamos que seja mais suor e menos lágrimas, para que haja mais trabalho inteligente e menos lamentação sem propósito. Pode ser que não mais vejamos abundância hídrica como antes; cada gota importará daqui para frente. 
Será que aprenderemos algo com essa experiência? Conseguiríamos nós ter um consumo responsável e eficiente, não só da água, mas de tudo que temos ao nosso dispor? Honestamente, desconfio, mas, ironicamente, faço a minha parte. Em algumas situações, a esperança reside no desejo de estar enganado.  É tempo de fechar torneiras e estancar vazamentos. 





1 comment:

Cida said...

Extremamente oportuno. Boa reflexão ! Como sempre .