Monday, December 14, 2015

Rios de concreto



“Tirou-me de um poço de perdição, dum tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos.” Salmo 40:2

A vida do ser humano muda quando ele se torna capaz de limpar sua  própria bundinha, lá nos primeiros anos da infância. Existe algo forte em não ter mais de pedir pra mãe vir nos limpar das merdas que a gente mesmo faz. Obviamente esse grito de socorro ainda virá muitas vezes durante a vida, mas não deixa de ser válido que, no mais das vezes, a gente aprende a se virar com os rejeitos que produz.
É estranho pensar que uma lição tão básica tenha sido esquecida pelos donos da BHP, da Vale e da Samarco. Difícil imaginar que se possa criar um enorme penico aberto num lugar alto e apenas esquecê-lo lá, na confiança plena de que nada precisará ser feito. Infelizmente não vai adiantar só chamar a mãe pra consertar o estrago que essa lama causou.
E agora vemos os peixes mortos nas margens, duros de tanta lama. Toda a vegetação se tornou um marrom disforme, em que se podem ver volumes de muitas coisas agora sem distinção, uma massa sinistra e fedorenta que arrebatou toda a vida e agora seca, cimentando lentamente o leito de um rio outrora vigoroso e pródigo.
É triste perceber que um País rico em um recurso tão essencial não seja capaz de administrá-lo de forma minimamente responsável. O que se vê nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo é a completa prostituição da água, não há outro nome para essa atitude. Cometemos as maiores atrocidades contra o meio ambiente e pensamos que iríamos escapar sem problema.
Não é assim que a coisa funciona. Se já não funciona com o dinheiro, que é coisa de homem, imagine com um rio, que é vivo, todo um ecossistema cheio de bichos e plantas fundado num equilíbrio delicado. Vida exige cuidado.
Isso não está direito, rapaz, não é jeito decente de se tratar a criação. E aqui não falo de se tornar um abraçador de árvores ou ecochato, mas de uma ponto fundamental sempre ignorado que é a dignidade da terra, que é obra de Deus e que ecoa Sua glória em sons, cores e gostos indecifráveis para a maioria dos homens. Por falar nEle, imagine o que deve ter pensado quando viu o estrago feito - "eu deixo um rio arrumadinho e vocês me aprontam uma dessa? Não me façam descer aí pra consertar essa bagunça. Quando eu for, quero que tudo esteja um brinco". Uma palavra figurativa dos Salmos se tornou realidade no coração do Brasil. Acode, Jesus!, que o povo é ignorante e não sabe.
A justiça pode determinar multas irrisórias para a reconstrução da cidade, as empresas podem continuar tentando limpar suas barras, mesmo estando sujas até o alto da cabeça, não interessa; qualquer criança sabe que deixar que essa tragédia acontecesse foi um erro crasso e evitável, sem o qual a vida do planeta seria melhor. E cabe a nós todos agora, seres humanos,  lenientes e irresponsáveis, restaurar a imensa latrina que acabamos de criar. Haja paciência divina - por enquanto, há; não abusemos, porém.

1 comment:

daniel said...

Mais um texto claro e reflexivo. Parabéns. Continue escrevendo...